Em acordo de delação, Marcelo
Odebrecht revela que a presidente Dilma cobrou pessoalmente doação de campanha
para pagar via caixa dois o marqueteiro João Santana e o PMDB em 2014
Débora Bergamasco, SÉRGIO PARDELLAS
O
diálogo que compromete Dilma
Entre
o primeiro e o segundo turno da eleição de 2014, o tesoureiro da campanha de
Dilma, Edinho Silva, cobrou de Marcelo Odebrecht uma doação “por fora” no valor
de R$ 12 milhões para serem repassados ao marqueteiro João Santana e ao
PMDB. Marcelo se recusou a fazer o repasse, mas diante da insistência de
Edinho disse que iria procurar Dilma. Dias depois, em encontro pessoal, o
empreiteiro e a presidente afastada mantiveram a conversa abaixo:
–
Presidente, resolvi procurar a sra. para saber o seguinte: é mesmo para efetuar
o pagamento exigido pelo Edinho?, perguntou Odebrecht.
– É
para pagar, respondeu Dilma.
No acordo de delação premiada, firmado na última semana, o empreiteiro
Marcelo Odebrecht fez uma revelação que, pela primeira vez, implica
pessoalmente a presidente afastada Dilma Rousseff numa operação de caixa dois
na eleição de 2014 – o que configura crime. Aos procuradores da Lava
Jato, o empresário afirmou que a mandatária exigiu R$ 12 milhões para a campanha
durante encontro privado entre os dois. A conversa ocorreu depois do primeiro
turno da disputa presidencial. O recurso, segundo Odebrecht, abasteceu o caixa
paralelo de Dilma e serviu para pagar o marqueteiro João Santana e o PMDB. A
história narrada pelo empreiteiro é devastadora para as pretensões de Dilma de
regressar ao poder. Nela, Marcelo Odebrecht atesta que a presidente afastada
não apenas sabia como atuou pessoalmente numa operação criminosa. Aos
integrantes da força-tarefa da Lava Jato, o empreiteiro desfiou com riqueza de
detalhes a ação da presidente. O empresário contou que durante o período
eleitoral foi procurado pelo então tesoureiro da campanha, Edinho Silva.
Alan Marques/Folhapress
O ex-ministro da Secretaria de Comunicação parecia apreensivo e
reproduzia o mesmo comportamento persuasivo identificado por outros delatores
do esquema do Petrolão, quando abordados pelo tesoureiro. A tensão derivava da
urgência em amealhar mais recursos para reforçar o caixa da presidente. Na
conversa, em tom impositivo, Edinho cobrou do empresário uma doação por fora
que extrapolava o valor já combinado com os petistas anteriormente: um
adicional de R$ 12 milhões. Deste total, deixou claro Edinho, R$ 6 milhões
seriam para bancar despesas com marqueteiro João Santana e R$ 6 milhões para serem
repassados ao PMDB. Oficialmente, o Grupo Odebrecht já havia doado R$ 14
milhões à campanha. Como a quantia extra era alta e, com o acréscimo, o valor
doado representaria quase o dobro do acerto inicial, Marcelo ficou intrigado
com a abordagem do tesoureiro.
Num primeiro momento, o empreiteiro reagiu de maneira negativa. Disse
que se recusaria a fazer o pagamento. Diante da insistência de Edinho,
disse-lhe, então, que procuraria pessoalmente a presidente Dilma. Foi o que
aconteceu na sequência. Embora estivesse em plena efervescência da campanha
eleitoral, Dilma abriu um espaço em sua agenda para receber o empresário. No
encontro, segundo relato aos procuradores, Marcelo Odebrecht foi direto ao
ponto. Questionou se era mesmo para efetuar o repasse exigido por Edinho. Ao
que Dilma respondeu, sem titubear: “É para pagar”.
Ao narrar o diálogo aos integrantes da Lava Jato, Odebrecht compromete a
presidente afastada naquilo que ela alardeava como uma vantagem em relação aos
demais políticos mencionados no Petrolão: a pretensa ausência de envolvimento
pessoal num malfeito. No momento em que a mandatária lutava para ganhar algum
fôlego a fim de tentar reverter o placar do impeachment no Senado, a delação de
Odebrecht confirmando que ela exigiu R$ 12 milhões do empreiteiro – numa ação
nada republicana destinada a abastecer o caixa dois de sua campanha – cai
com uma bomba em seu colo. Pela letra fria da lei, utilizar-se de dinheiro não
declarado na campanha eleitoral é fator decisivo para a perda do mandato presidencial.
E Dilma não só se beneficiou do esquema do Petrolão como operou diretamente
para que um recurso de caixa dois, portanto ilegal, irrigasse os cofres de sua
campanha, conforme revelou Marcelo Odebrecht à Lava Jato. Embora não seja este
o objeto do processo do impeachment em tramitação no Senado, o depoimento do
empresário torna insustentável a situação de Dilma e praticamente inviabiliza o
seu retorno à Presidência. Na Lava Jato, a delação de Odebrecht é tida como
absolutamente verídica. Os procuradores e delegados têm certeza de que não se
trata de apenas uma versão.
ISTOÉ ANTECIPOU Em edição de 20 de
abril, reportagem revelou que Giles Azevedo orientou a agência Pepper no
esquema de lavagem de dinheiro
Tanto a Polícia Federal quanto a Procuradoria da República já reuniam
evidências de que a Odebrecht havia alimentado as contas do marqueteiro João
Santana por meio de caixa dois eleitoral. Em relato aos procuradores federais
de Brasília na tentativa de sacramentar um acordo de delação premiada, Mônica
Moura, mulher de Santana, havia reconhecido que, na disputa de 2014, pelo menos
R$ 10 milhões teriam sido pagos a ela e ao marqueteiro fora da contabilidade
oficial. Segundo Monica, só a Odebrecht pagou via caixa dois ao menos R$ 4
milhões. Em dinheiro vivo. Pelo acordo firmado com a Lava Jato, ela tinha
ficado de relatar de que maneira e por quem foram repassados os outros R$ 6
milhões. Os valores teriam sido entregues diretamente para ela e usados para
pagar fornecedores na área de comunicação. Os investigadores e agentes da PF já
tinham identificado um depósito para o casal feito pela Odebrecht numa conta na
Suíça, não declarada à Receita brasileira, de US$ 3 milhões.
Agora é possível entender a razão do embaraço da presidente afastada ao
discorrer sobre o tema em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada no
último final de semana. Instada a se manifestar sobre a possibilidade de o
empreiteiro a acusar de pedir dinheiro para pagar o marketing da campanha de
2014, a presidente afastada lançou mão de um discurso que, à luz dos fatos
novos expostos por Marcelo Odebrecht no acordo de delação, não pára mais em pé:
“Eu jamais tive conversa com o Marcelo Odebrecht sobre isso”. “Eu paguei R$ 70
milhões para o João Santana (em 2014). Tudo declarado para o TSE. Onde é que
está o caixa dois?”, perguntou ela. Na referida entrevista, Dilma já havia se
encalacrado ao negar que tivesse mantido encontros com o empreiteiro no
Alvorada e “não se lembrar” de reuniões com o mesmo interlocutor no Palácio do
Planalto. De acordo com os arquivos eletrônicos do Planalto, Dilma recebeu
Odebrecht quatro vezes desde a sua posse. Duas no Palácio da Alvorada (em 26 de
março e 25 de julho de 2014, ano eleitoral) e duas no Planalto (10 de janeiro e
10 de outubro de 2013).
AFP PHOTO/STR/AFP/STR; José Cruz/Agência Brasil; Moreira Mariz
Unindo as peças do quebra-cabeças disponíveis até agora também é
possível entender com mais clareza o motivo pelo qual a presidente Dilma se
esforçou pela soltura de Marcelo Odebrecht da prisão: ela temia que viesse a
público exatamente o que o empresário revelou aos procuradores da Lava Jato – e
que, agora, ISTOÉ divulga com exclusividade. Em sua delação, Delcídio do
Amaral (sem partido- MS) expôs a gigantesca preocupação da presidente com o
tema. Disse que Dilma nomeou o ministro Marcelo Navarro ao STJ em troca do seu
compromisso de produzir um relatório em favor da liberdade do empreiteiro.
Delcídio personifica a chamada prova testemunhal. Segundo ele, a nomeação de
Navarro destinada ao propósito de soltar Odebrecht foi tratada por Dilma em
conversas com ele próprio, durante caminhadas nos jardins do Alvorada. Como se
sabe, Navarro realmente emitiu parecer pela concessão de um habeas corpus a
Odebrecht, mas acabou sendo voto vencido no tribunal. Com base no depoimento de
Delcídio o procurador-geral da Repúbica, Rodrigo Janot, requisitou ao STF a
abertura de um inquérito para apurar se Dilma obstruiu a Justiça, o que também
é considerado crime. Quando o então líder do governo assinou o acordo de
delação, João Santana e sua mulher ainda desfrutavam a liberdade com o dinheiro
das petrotraficâncias.
Antes mesmo da prisão dos dois, a PF havia recolhido no celular de
Marcelo Odebrecht uma mensagem endereçada a um executivo de sua empreiteira
crivada de suspeitas: “Dizer do risco cta [conta] suíça chegar na campanha
dela.” O cheiro de pólvora resultava do óbvio “risco” insinuado no texto de Odebrecht
de que a conta na Suíça fosse descoberta e ficasse estabelecida a conexão com a
campanha de Dilma em 2014. Com a delação de Marcelo Odebrecht, surge a peça que
restava para compor um cenário letal para a presidente afastada na luta contra
o impeachment. A Polícia Federal também já havia anexado ao inquérito da
Operação Acarajé documentos apreendidos com a secretária da Odebrecht Maria
Lúcia Tavares, presa em março. Uma das planilhas encontradas tinha o título
“Feira-evento 14”. O documento detalhava sete pagamentos feitos entre 24 de
outubro e 7 de novembro de 2014, totalizando R$ 4 milhões. Os investigadores
descobriram que “Feira” era o apelido usado por funcionários da Odebrecht e
pelo próprio ex-presidente da empresa para identificar a mulher do marqueteiro,
responsável por cuidar das negociações financeiras do casal e da agência de
publicidade Pólis, que comandou as campanhas da presidente Dilma Rousseff, em
2010 e 2014, e a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006.
Há duas semanas, em meio à divulgação das conversas gravadas pelo
ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, soube-se que o meio político, em
especial os caciques do PMDB, já precificava o potencial devastador da delação
de Odebrecht sobre Dilma Rousseff. Num diálogo com Machado, ex-presidente da
Transpetro, o presidente do Senado, Renan Calheiros, diz que a situação de
Dilma Rousseff se tornaria insustentável a partir da delação da Odebrecht,
porque iria “mostrar as contas” dela. “Mas, Renan, com as informações que você
tem, que a Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem mais jeito”,
disse-lhe o ex-presidente da Transpetro. “Tem não, porque vai mostrar as
contas. E a mulher é corrupta”, sapecou Renan. Ao que Machado, na réplica,
sentencia o desenlace irremediável da presidente. “Acabou, não tem mais jeito.
Então a melhor solução para ela, não sei quem podia dizer, é renunciar ou pedir
licença. O ex-senador José Sarney, em outro diálogo, repete o enredo entoado
pelo antigo colega de Senado. Diz que a delação da Odebrecht “é uma
metralhadora de [calibre] ponto 100”e relaciona a empreiteira a uma ação que a
presidente afastada Dilma Rousseff teria feito diretamente durante campanha
eleitoral. “Nesse caso, ao que eu sei, o único em que ela [Dilma] está envolvida
diretamente é que falou com o pessoal da Odebrecht para dar para campanha do… E
responsabilizar aquele [inaudível]”.
Preso desde junho de 2015 nas dependências da PF em Curitiba, Marcelo
Odebrecht ainda deverá envolver no que vem sendo chamado de “delações das
delações” ou “delação definitiva” ao menos 38 políticos. Um capítulo, em
especial, é relativo ao ex-presidente Lula. O empreiteiro promete detalhar como
se deram as obras do sítio em Atibaia (SP), cuja propriedade é atribuída ao
petista. Outro personagem que também pode vir à baila é Giles Azevedo,
braço-direito da presidente afastada, elo de Dilma com a agência Pepper. O
empresário ainda pretende contar sobre financiamentos de campanhas eleitorais
feitas no Brasil e no exterior – não só a de Dilma Rousseff. Na prática, a
delação propriamente dita ainda não foi assinada. Após intensas negociações, a
Odebrecht subscreveu um acordo de confidencialidade com a Lava Jato. O termo
representa o início formal da negociação de delação. O termo é uma garantia
para que o empresário comece a desnudar fatos ocorridos no esquema do Petrolão.
Só depois da verificação do teor dos depoimentos pela força-tarefa da Lava Jato
é que a Justiça avalizará o acordo. Há a expectativa de que próprio Emílio
Odebrecht, pai de Marcelo, preste depoimentos. No atual estágio, e pela
disposição dos envolvidos, é muito difícil que haja um recuo. O próprio juiz
Sérgio Moro, num inequívoco gesto de boa vontade, extinguiu na última semana um
dos processos contra a empreiteira (leia box na próxima página). Ou seja, está
mais do que escancarado o caminho para a oficialização da delação de Odebrecht.
Péssima notícia para os políticos. Ótima para o País.
PRESSÃO Ricardo Pessoa, da UTC, também relatou que foi compelido por
Edinho Silva a doar mais dinheiro para a campanha de Dilma (Crédito:Wilson
Dias/Agencia Brasil)
A tática recorrente de Edinho
O delator Ricardo Pessoa, da UTC, relatou aos investigadores que o
tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff em 2014, Edinho Silva, o pressionou a
doar mais dinheiro. “O Edinho me disse: ‘Você tem obras na Petrobrás e tem
aditivos. Não pode só contribuir com isso. Tem que contribuir com mais. Estou
precisando’”.
O tesoureiro queria R$ 20 milhões. Pessoa ofereceu R$ 5 milhões no
primeiro turno e mais R$ 5 milhões no segundo turno. Mas foram pagos R$ 7,5
milhões. Em delação premiada, Otavio Azevedo, da Andrade Gutierrez, também
disse que Edinho Silva o pressionou para doar além do combinado. Pressionado, o
executivo transferiu mais R$ 10 milhões para o caixa da petista. O total de
doação declarada da empresa à campanha dela foi de R$ 20 milhões.
ELA SABIA
Segundo Cerveró, Dilma teve acesso a todas as informações sobre Pasadena (Crédito:Jefferson Rudy/Agência Senado)
Segundo Cerveró, Dilma teve acesso a todas as informações sobre Pasadena (Crédito:Jefferson Rudy/Agência Senado)
“Dilma mentiu sobre Pasadena”
O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró desmentiu versão da presidente
afastada, Dilma Rousseff, sobre a compra da refinaria em Pasadena, nos Estados
Unidos, em 2006. E disse também supor que ela sabia do esquema de pagamento de
propinas a políticos com dinheiro da petroleira. Em sua delação premiada
tornada pública na quinta-feira 2 consta que a petista, à época presidente do
Conselho Administrativo da Petrobras, teve acesso a todas as informações e
cláusulas do negócio bilionário que só causou prejuízos à estatal. “Não
corresponde à realidade a afirmativa de Dilma Rousseff de que somente aprovou a
aquisição porque não sabia dessas cláusulas.” E continuou: “Dilma Rousseff
tinha todas as informações sobre a refinaria de Pasadena; que o Conselho de
Administração não aprova temas com base em resumo executivo”.
O documento revela ainda “que o declarante supõe que Dilma Rousseff
sabia que políticos do Partido dos Trabalhadores recebiam propina oriunda da
Petrobras, que, no entanto, o declarante nunca tratou diretamente com Dilma,
sobre o repasse de propina.”
Ele também destacou que a transação foi autorizado com muito mais
rapidez do que o de costume. “O projeto foi aprovado na Diretoria Executiva da
Petrobras numa quinta e na sexta o projeto foi aprovado no Conselho de
Administração; que esse procedimento não era usual”, foi registrado pelos
investigadores.
Quando já estava preso, Cerveró afirmou ter ouvido do advogado do
ex-senador Delcídio do Amaral que Dilma atuaria para “cuidar dos meninos”,
tirando Cerveró e o também ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa da cadeia.
Além de Dilma, Cerveró revelou que, em 2000, houve orientação da cúpula da
Petrobras para contratar a empresa de PRS Energia, de Paulo Henrique Cardoso, filho
do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
GILES É DILMA Segundo delação de Bené, Giles Azevedo pagou agência que
atuou na campanha de Dilma com dinheiro público (Crédito:Alan
Marques/Folhapress)
Propina paga despesas pessoais
E-mails comprovam que Dilma sabia do Petrolão e teve despesas pagas com
recursos do esquema. Segundo o jornal O GLOBO, as mensagens mostram que a
compra de um teleprompter para a petista e até os custos do deslocamento de seu
cabeleireiro, Celso Kamura, foram bancados por envolvidos nos desvios. Em
entrevista à ISTOÉ em 2011, Kamura disse que o marqueteiro João Santana
custeava os serviços dele à presidente “em ocasiões de Estado”. As novas
evidências contra a petista não param por aí. Em delação, o empresário Benedito
Oliveira, o Bené, revelou que Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete de Dilma,
firmou contratos do governo com agências para quitar despesas eleitorais.
Conforme já havia revelado ISTOÉ, Giles era o braço-direito de Dilma para
tarefas espinhosas. Não fazia nada sem seu conhecimento. Como quando indicou
para Danielle Fonteles, da Pepper, contas para receber caixa dois de campanha
Postar um comentário
Blog do Paixão